domingo, outubro 09, 2005

Depoimento Iron Biker 2005 - A história por trás da crônica

É uma espécie de desabafo.

Recebi 23 emails em PVT comentando aquele meu depoimento sobre o Iron Biker. Desses 23 emails, 5 estavam curiosos em saber quem era o "amor" que me emocionou tanto, ou se era uma historinha só pra compor um texto.

Bem, tudo o que escrevo nunca é de todo dissociado da realidade. Ela pode estar muito pouco representada lá, mas sempre terá seu quinhão garantido.

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Muitos anos atrás, 1984 para ser exato, eu conheci uma garota, AldaMaria "Aldinha", eu tinha 20 anos naquela época e era mais um garoto magricelo, encardido, poeta, músico e trotskita :o). Achava que o mundo deveria ser transformado, etc. etc.

Eu era louco por essa menina, ela, é claro, era louca por outro rapaz (já ouviram essa história antes?).

Eu frequentava um minúsculo barzinho de universitários em Belém, o 3x4, tinha uma amiga, Tatiana, que era linda e me adorava mas que namorava um grande amigo meu...difícil, né? :o)
Eu, Tatiana, Fernandão, Kalico e mais alguns flutuantes costumávamos sair do 3x4 e irmos para a casa de Fernandão ouvir Janis e bebericar néctar de pêssego (eu adorava, era muito pobre e não tinha essas coisas em casa).

Quando o nome Aldinha vinha a baila não tinha como eu segurar as lágrimas. E se estivesse rolando Summertime, cara, eu ficava muitodeprê.

Meus amigos faziam campanhas pró-ricardo direto. Aldinha não estava nem aí.Chance ZERO.
Outras meninas tentavam vir me consolar e tal, me paparicar, mas não adiantava nada, elas não eram Aldinha.

A gente vivia acampando pelas ilhas (mais de trezentas) e sítios que circundam a região.
Um dia resolvi acampar no sítio do meu tio, interior do Pará, em meio a floresta amazônica, com onças, porcos-do-mato, capivara, pacas,veados, toda essa galera.

Os amigos (camaradas, naquela época) piraram! Resultado: uns quinze resolveram ir comigo.Quem diria: Aldinha, que era louca por camping e trekking, quis ir. Foi sozinha. Era um daqueles casos de que a garota gosta do cara mas o cara não liga muito pra garota que tem.

Ela foi meio tristinha para o camping. Quem consegue ir para qualquer lugar deixando uma metade sua para trás?

O sítio de meu tio era lindo e rude. Uma casa central muito grande, de madeira. O teto avançava alguns metros para a frente criando uma espécie de área coberta sem paredes. Lá atávamos redes para dormir e descansar, etc.

A casa era suspensa pois o rio próximo avançava até lá no "inverno amazônico". Nota: o Pará tem duas estações ao longo do ano: o de chuvas e o de mais chuvas ainda. Quente.

O café da manhã a gente tinha que colher, torrar e moer. Tomamos café só no primeiro dia. :o)

A noite, próximos as chamas de um fogão a lenha, comendo beiju e peixe frito, e com a ajuda de um lampião a querosene, ouvíamos histórias das lendas paraenses que meu tio e tia adoravam contar: saci, mula-sem-cabeça, e sobre o Curupira, meu nickname.

De como ele escapou do Curupira mais de uma vez, e tantos outros"causos". Íamos para nossas redes e esteiras felizes e de estômago cheio.

Os casais se aconchegavam e ficavam assim, arrulhando, horas a fio, noite a dentro.

Eu ficava absorto no lado de fora olhando o céu. Adoro olhar as estrelas, isso desde criança, ahhh se eu pudesse tocá-las!!

Aldinha também não dormia fácil. Chegava de mansinho, as vezes com uma caneca cheia de chá. Sorria pra mim...era tão bonito o sorriso dela que eu esquecia as estrelas no céu, o chão sob meus pés e que ela amava outra pessoa.

Eu sorria também.

Ela deitava ao meu lado dividindo a mesma esteira e ficávamos ali, juntinhos, em silêncio, por muito tempo.

Estrelas cadentes riscavam o céu...ela segurava minha mão e pedia para eu fazer um desejo. Desejei que ela gostasse de mim para cada estrela cadente que passou e fiz assim todas as noites em que ficamos lá.

Ainda hoje, quando eu vejo uma estrela cadente eu lembro dela. Sempre.

Conversávamos muito. Tínhamos muitas afinidades e muitas diferenças. Nossos gostos musicais não eram exatamente os mesmos...ela gostava de Spyro Gyro e Beto Guedes...Ela era, no meu jargão de época, uma alienada pequeno-burguesa :o) ...bem, as diferenças são um tempero, não são? Ou o amor suaviza as diferenças...

Foram momentos felizes! De dia pegávamos canoas indígenas e íamos pescar e nadar, seguíamos trilhas de onças, por pura maluquice. Quando ouvíamos os rugidos saíamos correndo. Loucos!

Uma vez pegamos um jacaré. Quase come um dedo do meu pé. Na panela ele ficou bem melhor.

Um dia isso acabou. Meus amigos iriam voltar pra casa. Aldinha com eles. Resolvi ficar. Foi um dia triste aquele. Era como tudo que eu olhasse ou fizesse fosse cinza, sem sal, sem cheiro.

Congelado o universo em uma ausência completa dele mesmo.

Dois dias depois um garoto traz um recado dizendo que Aldinha iria chegar no dia seguinte para passar mais uma semana no sítio de meu avô.

Sou meio retardado, mais ainda com mulheres. Achei que viriam ela e o namorado, ou com alguns de meus amigos, ou que se viesse sozinha, para ficar na dela. Nada disso era uma impossibilidade.

Fui buscá-la na hora combinada, na estrada. Andei nove quilometros em um estradão (nem sabia o que era MTB na época) em meio a uma das maiores chuvas da minha vida.

Encontrei Aldinha na casa de um amigo de meu tio a beira da estrada, havia se molhado e foi acolhida lá, onde se trocou e tomou uma bebida quente. Ela me olhou, sorriu (aquele sorriso novamente!), me abraçou, me beijou demoradamente uma de minhas bochechas. Achei que iria incendiar.

Peguei as coisas dela, a mochila, e carreguei de volta os oito quilômetros.

Durante a nossa conversa de volta ela explicou que resolveu voltar porque tinha se sentido muito feliz no sítio de meu tio e queria um pouco mais dessa felicidade antes de voltar para as aulas do segundo semestre. As coisas não estavam muito animadas lá em Belém, ela me confessou.

No meio do caminho ela segurou minha mão e desse jeito chegamos no meu tio.
Como bons amigos, andávamos abraçados, de mãos dadas, conversando e rindo até a hora de dormir.

Atamos nossas redes uma bem ao lado da outra. Conversamos até ela simplesmente desmaiar de sono.

No dia seguinte, acordei e caminhei, feliz da vida, por entre o pomar do meu tio próximo ao riacho.

Que mundo belo e fantástico estava logo ali, ao alcance de minhas mãos. Um cheiro forte de jambo inundava o lugar. Os pássaros cantavam cantigas de amor.

O sol começava a nascer e iluminar todo o lugar, quando então me volto em direção a casa eu vejo Aldinha rumando em minha direção, aceno e sorrio pra ela, ela sorri de volta...eu arrepiei com aquele olhar.

O resto eu já contei. Está no depoimento do Iron Biker. A diferença é que foi um nascer de sol...
Aldinha e eu namoramos por quase um ano, inenarrável. FELIZ-PONTO. Uma vez, voltando pra casa, ela viu uma roseira no jardim de uma residência e me falou que era louca por rosas.

Pulei o muro e roubei uma rosa pro meu amor. E por muitos meses, todos os dias, pulava o muro daquela casa para roubar mais uma rosa, por ela.

Após nosso namoro eu fui morar em São Paulo. Aldinha, eu sabia, nunca esqueceu o cara que sempre lhe dava uma rosa antes do beijo de boa noite. E eu nunca esqueci Aldinha a garota que sempre me dava um sorriso antes de receber uma rosa.

Quando voltei para Belém a passeio, dois anos depois, Aldinha estava noiva. O noivo não quis que conversássemos mais e Aldinha, grávida desse rapaz, me mandou um recado por Tatiana de que teria que ser assim, porque não queria magoar seu futuro marido....a vida é feita de desencontros.

Aldinha casou quando eu já havia voltado para São Paulo.

Voltei mais uma vez pra Belém a passeio.

Cheguei no exato dia em que Aldinha havia falecido de complicações pós-parto. Recebi a notícia de um amigo a menos de uma quadra de onde o velório estava sendo realizado.

Aqui eu paro. Chega, não é?

Eu adorava aquela garota. Muito.

Muito.

Muito.

Ela é uma estrela cadente agora, um desejo fugaz.

Nunca mais dei rosas vermelhas para qualquer outra garota. Quando vejo uma estrela cadente no céu, ás vezes eu sinto que ela está comigo. E quando vejo uma estrela cadente no céu...o meu desejo passando...e sorrindo para mim. Saudades...

É isso aí.

Vamos pedalar.

Ricardo "Curupas"